sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Rawl: a justiça como equidade


John Rawls publicou em 1971 Uma teoria da Justiça, que veio a tornar-se uma das mais influentes obras de teoria política e do direito. De acordo com este autor, apercebemo-nos do valor da justiça na interacção com outras pessoas e com as instituições — em especial quando essas relações nos fazem contactar com diferenças, desigualdades (p. 30) e desrespeito por acordos e regras. A justiça é fundamental para a organização das pessoas em sociedade, sendo apresentada por Rawls como "a virtude primeira das instituições sociais" (p.27).
O nosso sentimento de justiça está associado à satisfação que sentimos como resultado da nossa vivência social, em especial, com sentirmos que somos respeitados e reconhecidos e que os outros cumprem os seus compromissos para connosco. Naturalmente, um sentido de justiça um pouco mais aperfeiçoado irá incluir a noção de que tratámos os outros de forma correcta e cumprimos as nossas obrigações. Neste sentido, a justiça pode ser entendida como uma virtude cívica fundamental e como sinal de um bom relacionamento do indivíduo com a sociedade. Daí também que "o objectivo primeiro da justiça", nas palavras de Rawls, seja "a estrutura básica da sociedade" (p. 27). O bom relacionamento entre os indivíduos supõe estabilidade e um conjunto de atitudes ou de virtudes cívicas básicas: confiança; respeito pelas pessoas, pelos seus direitos e pelas suas liberdades; cumprimento de normas e compromissos; benevolência e fraternidade.
Mas uma coisa é um sentimento de justiça, e outra é a justiça enquanto instituição, ou seja, como conjunto de princípios, normas e meios de garantir a aplicação e o respeito dessas normas. A existência de um sistema organizado de justiça oferece ao indivíduo um outro sentimento: o de sentir-se protegido dos ataques de outros e das arbitrariedades de quem detém o poder. A justiça institucional destina-se, do ponto de vista dos indivíduos, a garantir um conjunto básico e inegociável de bens: liberdade, igual acesso a oportunidades, igualdade de tratamento, bem estar material mínimo, etc.; e é nesse sentido que os indivíduo esperam que ela os proteja. A partir daqui, colocam-se dois primeiros problemas: i) "O que é uma sociedade justa?" e ii) "Que princípios podem garantir um consenso acerca da justiça?". Um terceiro surge na sequência do segundo: iii) "Como haveremos de descobrir esses princípios de justiça?".
A aplicação prática do valor ou da virtude da justiça faz-se com dois vectores: 1.º) Definição de princípios (grandes orientações) e normas (fórmulas gerais e abstractas de resolução de problemas), incluindo a definição de papeis sociais e dos direitos e deveres que lhes estão associados. A justiça supõe o princípio da equidade, ou seja, a) igualdade de tratamento, b) igualdade de oportunidades e c) justiça retributiva (a cada benefício obtido corresponde uma obrigação, e vice-versa: por ex., deves agradecer, se te dão um rebuçado).
2.º) O cultivo de um conjunto de virtudes cívicas, as quais podem ser praticadas de forma mais formal ou mais sincera, mas que, em qualquer caso, facilitam as boas relações entre
pessoas e o sentimento de reconhecimento social por parte de cada um. São elas a cooperação, o respeito, o cumprimento de obrigações, a fraternidade.
Tendo em conta tudo isto, Rawls avança com a formulação de dois princípios básicos da justiça: 1.º) "Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idênticas para as outras". 2.º) "As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que, simultaneamente: a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício de todos; b) decorram de posições e funções as quais todos têm acesso" (p.68). O primeiro garante a liberdade; o segundo, a equidade.
Estes princípios da justiça estão presentes naquilo que Rawls considera ser uma hipotética estrutura social básica, ou seja, uma forma simples, correcta, racional e universal de organização social justa. A estrutura social básica define que todos terão acesso aos bens primários (direitos, liberdades e oportunidades, rendimento e riqueza) de acordo com os princípios acima enunciados; mas "embora a sua posse seja influenciada pela estrutura básica, não estão sob o seu controlo directo" (p. 69). Quer isto dizer que a estrutura define regras formais e abstractas de distribuição de direitos e de deveres, não descriminando à partida qual vai ser a situação de cada indivíduo; essa situação dependerá sobretudo do seu mérito pessoal.
Respondendo ao segundo e ao terceiro problemas, Rawls segue os filósofos contratualistas do Iluminismo: imaginamo-nos uma posição original (ou situação inicial) hipotética em que nós, indivíduos originalmente iguais, estaríamos a estabelecer um contrato social que fundaria a nossa sociedade. Estaríamos numa situação equivalente à passagem do estado natural para o estado civil em John Locke. Deveríamos procurar os melhores princípios e regras e, para garantir a sua qualidade, esqueceríamos todos os nossos interesses e situações pessoais. Colocaríamos sobre nós um véu de ignorância. Desta forma, a nossa única motivação seria decidir uma forma de acordo hipotético que fosse minimamente satisfatória para qualquer uma das partes envolvidas, independentemente dos interesses ou dos papeis concretos que cada poderá vir a ter. Se tivéssemos que escolher entre duas regras, escolheríamos aquela que trouxesse maiores benefícios ao indivíduo menos beneficiado, ou menores prejuízos ao indivíduo a ser mais prejudicado ("um mínimo social razoável, a partir do qual... a sociedade poderia avançar na aplicação do princípio da diferença"). Procuraríamos estabelecer os direitos que achássemos, racionalmente, que qualquer pessoa deveria possuir. "Dadas as circunstâncias da posição original, a simetria das relações que entre todos se estabelecem, esta situação inicial coloca os sujeitos, vistos como entidades morais, isto é, como seres racionais com finalidades próprias e (...) capazes de um sentido da justiça, numa situação equitativa" (p. 34).


Tarefas
1. De que depende o sentido de justiça de um qualquer indivíduo?
2. Porque razão a justiça é, para Rawls, a virtude cívica fundamental?
3. O que significa a expressão "justiça como equidade"?
4. Porque razão um véu de ignorância é importante numa posição original? Relacione-o com a noção de acordo hipotético.
5. Leia os dois princípios formulados por Rawls e procure identificar entre eles os princípios da oportunidade justa, da igualdade e da diferença.
6. Redija um ensaio de 200-300 palavras sobre um dos seguintes problemas: "A solidariedade é um dever cívico?"; "O que é uma sociedade justa?"; "O que é a justiça?"; "A liberdade é mais importante do que a igualdade, ou vice-versa?"

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