sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

John Stuart Mill: a utilidade e o prazer


«De dois prazeres, se houver um ao qual todos ou quase todos os que tiveram experiência de ambos dão uma preferência determinada, à margem de qualquer sentimento de obrigação moral para o preferirem, esse é o prazer mais desejável. Se um dos dois é colocado, por aqueles que estão familiarizados com ambos, tão acima do outro que seriam capazes de preferi-lo mesmo sabendo que seria acompanhado por quantidade alguma de outro prazer (…) temos justificação para atribuir ao prazer preferido uma superioridade em qualidade que ultrapassa de tal maneira a quantidade que a torna, por comparação, de escasso interesse.
»Mas é um facto inquestionável que aqueles que estão igualmente familiarizados com ambos, e são igualmente capazes de os apreciar, dão uma acentuada preferência ao modo de vida no qual se faz uso das faculdades superiores. Poucas criaturas humanas consentiriam em ser transformadas em algum dos animais inferiores, a troco da máxima quantidade dos prazeres de um animal; nenhum ser humano inteligente consentiria em ser um idiota, nenhuma pessoa instruída seria um ignorante, nenhuma pessoa de consciência seria egoísta e primária, ainda que estivessem convencidas que o idiota, o ignorante e o tratante se sentiriam mais satisfeitos com o que lhes cabia em sorte (…).
»A felicidade que constitui o padrão utilitarista do que está correcto na conduta não é a própria felicidade do agente, mas a de todos os envolvidos […] O utilitarismo exige que o agente seja tão estritamente imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros como um espectador desinteressado e benevolente. Na regra de ouro de Jesus de Nazaré vemos o espírito completo da ética da utilidade. Fazer aos outros o que queremos que nos façam a nós, e amar o próximo como a si mesmo, constituem a perfeição ideal da moralidade utilitarista.
»[…] O motivo nada tem a ver com a moralidade da acção, embora tenha muito a ver com o valor do agente. Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente correcto, quer o seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo; quem trai a confiança de um amigo, é culpado de um crime, ainda que o seu objectivo seja servir outro amigo para com o qual tem deveres ainda maiores. […] Nenhum padrão ético conhecido decide se uma acção é boa ou má por ser praticada por uma homem bom ou mau […]. Estas considerações são relevantes não para a avaliação das acções, mas sim de pessoas.
»[…] Além disso, os defensores da utilidade são muitas vezes chamados a responder a objecções como esta – que não há tempo, antes da acção, para calcular e avaliar os efeitos de uma linha de conduta na felicidade geral. Isto é exactamente como se alguém dissesse que é impossível guiar a nossa conduta pelo cristianismo porque não há tempo […] para ler o Velho e o Novo Testamentos. A resposta à objecção é que houve muito tempo, isto é, toda a existência prévia da espécie humana. Durante todo esse tempo, a humanidade tem estado a aprender por experiência as tendências das acções; e é dessa experiência que dependem toda a prudência e toda a moralidade da vida. […] A proposição de que toda a felicidade é o fim e meta da moralidade, não significa que não tenha de ser estabelecida uma rota para esse objectivo, ou que as pessoas que o procuram não devam ser aconselhadas a tomar uma direcção em vez de outra. […] Todas as criaturas racionais vão para o mar da vida com decisões já tomadas sobre as questões mais comuns do correcto e do incorrecto, assim como as bem mais difíceis questões relativas à prudência e à imprudência» [prudência: saber tomar a decisão certa numa determinada situação].

MILL, J. S. – Utilitarismo, citado por ALMEIDA, Aires, e tal., in Textos e problemas de Filosofia, Lx., Plátano Editora, 2006, ps. 75-77
1.     O que distingue um prazer maior de um prazer menor?
2.     Como é que esta distinção, de acordo com Mill, torna possível usar o prazer como base do princípio da utilidade (e, consequentemente, da moral)?
3.     Quem pode ajuizar, segundo Mill, entre os diferentes tipos de prazeres? Porquê?
4.     Um pensador moral deve ser “como um espectador desinteressado e benevolente” Porquê?
5.     Por que razão devemos separar a qualidade moral do agente da qualidade moral da acção?
6.      Lendo o último parágrafo do texto, diga até que ponto o hábito e o senso comum podem ser bons guias para a acção.

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