sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

John Searle - Mente cérebro e ciência (análise fenomenológica da acção)

Cap. IV: Análise da estrutura da acção humana

Este texto é um apontamento preparado para os alunos do 10.º ano de Introdução à Filosofia. Foi começado em 2005 e sofreu algumas reformulações a partir daí.

Antes de iniciarmos a leitura do texto de Searle (e, por arrastamento, desta análise), é importante ter em conta que se trata de um texto de fenomenologia... Não se assustem com o nome!... A fenomenologia é uma técnica de análise/pensamento em que se tenta separar as diferentes componentes de um fenómeno, isto é, de um conteúdo que num determinado momento se encontra representado numa mente. Esse conteúdo pode ser uma dor, um desejo, uma recordação, uma raciocínio, etc.
  1.  Em que medida o que eu represento na minha mente corresponde a alguma coisa fora de mim/no mundo exterior à minha mente?
  2. Constantemente tentamos compreender o que se passa na mente de uma pessoa a partir do seu comportamento observável?
  3. Até que ponto o pensamento condiciona a acção?
  4. ... ?
Estas são algumas das questões que Searle coloca. A análise que ele faz (reproduzindo um respeitável conjunto de filósofos que o antecederam) ajuda-nos a arrumar algumas ideias... e também a percer a fonte de muitas das nossas dúvidas.


A análise da acção é fundamental para a ética e para várias das ciências sociais. As acções são tipos especiais de comportamentos que têm valor moral, por serem intencionais, voluntárias e mais ou menos conscientes. São, enfim, os comportamentos que fazemos porque queremos e que podemos controlar. Ao estudá-las procuramos encontrar algo que sustente a nossa individualidade e a nossa liberdade – algo que nos diga que somos livres e únicos, que controlamos a nossa vida, que somos a causa das nossas próprias acções.
Os factores desse controlo são a consciência, a vontade, as nossas capacidades de antecipação, de cálculo, de planeamento, de avaliação, a nossa imaginação, a nossa capacidade de orientarmos a nossa conduta segundo princípios racionais que nós próprios definimos ou procuramos. Pode parecer estranho analisarmos conceitos que compreendemos intuitivamente, mas a verdade é que o conceito de acção e os outros que a ele associamos são mais complicados do que pode parecer à primeira vista. Da sua análise surgem várias questões:
O que distingue as acções de outros comportamentos? A partir de que limite devo deixa de considerar um determinado comportamento como uma acção? As nossas acções são realmente livres? Podemos agir de forma original? Podemos provar que os nossos comportamentos não são simplesmente determinados pela natureza? Somos responsabilizáveis pelas nossas acções?...

Searl começa por analisar quatro pontos prévios:
1.     Não podemos confundir um determinado tipo de acção ou com um determinado tipo de movimento corporal;
Justificações: a) a mesma acção pode ser realizada usando diferentes meios ou tipos de movimentos (Ex.: quando escrevo uma palavra numa folha, posso fazê-lo usando diferentes tipos de letra); b) o mesmo gesto ou movimento pode ser usado para realizar diferentes acções (Ex.: quando estendo uma chávena de chá a alguém, posso estar a querer cativar a pessoa, a ajudá-la, a servi-la, a envenená-la…).

2.     A descrição de uma acção não se satisfaz com a descrição dos comportamentos exteriorizados (Cf. P.82);
Do ponto que vimos acima conclui-se que as acções não podem ser descritas a partir do exterior, ou melhor, não conseguem ser descritas simplesmente através da observação dos movimentos através dos quais se concretiza. O significado dos gestos tem que ser interpretado. A intenção é o factor que nos permite descrever uma acção, ou seja, interpretá-la.

3.     As pessoas sabem o que fazem sem terem que se auto-observar;
A pessoa que realiza a acção é, em última análise, aquela que está em melhores condições de saber o que está a fazer, por ser ela que conhece (e experiência) a sua intenção. Sabe-o imediatamente, sem precisar de estará a pensar nisso. Sabe-o antes, até, de realizar a sua acção. Este ponto é interessante, por estar a apontar para um qualquer sentido inconsciente que nos permite saber isso, sendo esse um dos problemas que interessa aos que estudam a mente a partir de diferentes áreas. No ponto 2 aludimos a um conjunto de princípios que nos permitiria fazê-lo.

4.     Os princípios pelos quais identificamos e explicamos as acções são em parte constitutivos das acções
Cada um de nós tem na sua mente uma espécie de uma “teoria implícita da acção” que utilizamos intuitivamente (=sem necessitar de reflexão) para prepararmos e interpretarmos as nossas acções as dos outros. Essa teoria implícita consiste num conjunto de princípios que nos permite interpretar as nossas acções e as dos outros. Essa “teoria” leva-nos a associar determinado tipo de comportamentos a determinado tipo de acções. Todavia, essa interpretação é sempre falível.




Estados intencionais:

Quando descrevemos uma acção nossa, dizemos que quisemos fazer uma determinada coisa. Este querer parece ser algo simples, mas Searl analisa-o, dividindo-o em diversos elementos que se relacionam entre si. Cada um desses elementos de que fala é um estado intencional. Temos que esclarecer este conceito, começando por uma distinção entre intencionalidade e intenção.
Intencionalidade é um termo que significa uma focagem de um sujeito sobre um determinado objecto. Significa que a mente tem um conteúdo. Estado intencional designa a forma como a mente representa esse objecto/conteúdo. Utilizemos um exemplo: um conteúdo da minha mente (intencionalidade) pode ser um cão que estou a ver à minha frente. Um estado intencional da minha mente, acerca desse conteúdo, pode ser ter medo do cão, desejar que o cão se vá embora, esperar que o cão não tenha pulgas, querer/tencionar fazer festas ao cão, etc.
Vemos assim que o termo técnico intencionalidade tem um significado muito diferente de intenção - designado este o querer fazer alguma coisa (sendo este o significado que habitualmente atribuímos a ambos os termos).
Cada um destes estados intencionais (mentais) representa igualmente as condições da sua satisfação. Se eu espero que o cão não tenha pulgas, a minha esperança será satisfeita se o cão não tiver pulgas. Se eu tencionar fazer festas ao cão, a minha intenção será satisfeita se eu fizer festas ao cão.
A acção é o resultado de uma combinação de diversos destes estados intencionais: eu imagino uma estado de coisas que desejo, avalio a possibilidade de ele vir a acontecer por meio de algum comportamento que realize, ponho esse comportamento em prática e incorporo conhecimento que obtenho da experiência de o planear, praticar e avaliar.

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