terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A argumentação como meio de trabalho da Filosofia

Ficha de trabalho

Introdução:
No célebre discurso de abertura do Semestre de Inverno de 1765/66, Kant dizia aos seus alunos que só se podia aprender filosofia pensando, enfrentando directamente os problemas. Justificou esta sua afirmação com o facto de os problemas de que a filosofia trata serem áreas pantanosas; por exemplo:
 O que fazer com uma pessoa que, querendo praticar uma boa acção, prejudicou gravemente alguém? — De que depende a qualidade de uma acção?
 Os animais têm direitos? — O que é um direito? O que o fundamenta?
 Posso ter certezas acerca de alguma coisa? — O que é uma certeza? Depende de quê?...
Existem factos ou razões lógicas que justifiquem a opinião que cada um de nós pode ter acerca das perguntas que se encontram em itálico? Se acharmos que não, o que dizer das perguntas que se lhes seguem, após o travessão?
Os factos podem dar-nos alguma ajuda na pesquisa de respostas para alguns destes problemas, mas não são suficientes. Nunca o serão, porque, por definição, os problemas da filosofia tentam olhar através dos factos ou para lá dos factos, conduzindo-nos para regiões em que apenas podemos contar com os nossos sentimentos, a nossa criatividade e a nossa vontade e a nossa inteligência. Chegámos ao reino das dúvidas e da incerteza.
Não havendo um sólido conjunto de dados materiais a que possamos recorrer para retirarmos as nossas conclusões, os métodos de trabalho que nos restam consistem em:
- Introspecção: consiste na análise da nossa própria pessoa, dos nossos sentimentos e emoções, dos nossos pensamentos ou dos nossos comportamentos com base na observação e reflaxão. Através dela tentamos compreender-nos a nós, enquanto seres humanos, e fazemos figas para que algumas das coisas que se passam connosco sejam experienciadas por outras pessoas, permitindo a sua compreensão.
Talvez tenha sido assim que tenham nascido alguns dos conceitos-chave da nossa vida — conceitos que nunca poderiam resultar de uma simples observação do mundo fora de nós: amor, liberdade, erro, vontade ou eu.
Conceptualização e problematização: Aquelas experiências que vivenciamos de forma muito nítida (o amor, a injustiça, etc) necessitam de ser verbalizadas para que mais facilmente nos façamos entender e possamos focar os nossos pensamentos num determinado significado. Este método desenvolve-se em articulação com o anterior e completa-o.
Especulação/interpretação: criam-se explicações e teorias acerca do problema escolhido, articulando conceitos e, por vezes, factos. As teorias são óptimos pontos de partida para uma discussão, mesmo as que apresentam erros.
Análise crítica: As teorias são analisadas nas suas afirmações mais básicas e na sua estrutura, procurando deliberadamente encontrar-lhes falhas. Desse modo é mais fácil levá-las a aperfeiçoarem-se.
Argumentação: é o método mais completo que se utiliza no trabalho filosófico. A argumentação filosófica, tal como a científica, consiste num processo de apresentação e discussão pública de teorias. Essa discussão pode ser desenvolvida através de um diálogo ao vivo ou da publicação de livros ou artigos em revistas da especialidade. Este método merece um tratamento à parte:




Argumentação filosófica:
Faz sentido argumentar quando não se pode demonstrar a conclusão a que se quer chegar, ou seja, quando essa conclusão não é certa. Quem argumenta quer influenciar-nos, persuadir-nos de que a sua hipótese é a melhor. Quem discute procura alcançar o objectivo comum da verdade.
Se os problemas e os resultados que os cientistas e os filósofos procuram ultrapassam as suas capacidades de prova, têm que apelar à imaginação e ao debate de teorias e dos argumentos que as apoiam. A discussão pública é fundamental para dar credibilidade a uma teoria e para fazer com que esta se reforce através das críticas que lhe fazem.
Por isso, uma boa argumentação é objectiva, clara, bem organizada e tão simples quanto possível
Numa argumentação, sempre que possível, recorre-se a factos e exemplos adequados. Também a clareza é um princípio fundamental para assegurar a qualidade da comunicação e evitar mal-entendidos. É por isso que as teorias devem expor-se à crítica, em vez de se refugiarem na obscuridade.
Os cientistas estão envolvidos numa causa comum, que é a procura de um conhecimento partilhado por todos e devem perceber que o seu trabalho não consiste em influenciar decisões ou em persuadir outras pessoas.
Além disso, percebem que a substituição de teorias é normal no processo de evolução do conhecimento e que o ataque a uma teoria não é um ataque a uma pessoa.

Daquilo que vimos, surge-nos um conjunto de regras deontológicas (=que definem como é correcto proceder) acerca da argumentação filosófica e científica:
- considerar todos os factos disponíveis, sem omitir quaisquer dados importantes; usar factos sempre que possível;
- argumentar contra teorias e argumentos, não contra pessoas;
- considerar teses e argumentos alternativos;
- recolher informações detalhadas, a partir de fontes diversas;
- utilizar linguagem clara e sem ambiguidades;
- organizar os argumentos de forma natural;
- começar por enunciar o problema e a tese; só depois os argumentos apresentados como justificações;
- avaliar e integrar as críticas pertinentes;
- evitar adjectivos e linguagem tendenciosa; não discutir emoções e sentimentos, nem usá-los como arma;
- não aceitar ou rejeitar um argumento sem antes o verificar e compreender; estar pronto para mudar de opinião;
- evitar manipular o público; permitir-lhe ser crítico;
- definir bem o problema a tratar;
- Procurar a verdade, acima de tudo;


1. Justifique o uso da argumentação como principal método da filosofia.
2. Organize as regras deontológicas numa sequência mais natural e explique quatro delas.

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